sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um drama por dia...

Creio que todos acompanharam o drama sofrido na escola do Rio de Janeiro, quando um ex-estudante, com um pretexto de dar uma palestra, entrou na escola e  atirou deliberadamente no tórax e cabeça de diversos estudantes. Muitos saíram feridos, mais de dez chegaram a óbito.

Pois bem, minha fala não é só como um profissional em psicologia, mas também como estudante, e além de tudo, como cristão. Poderia aqui usar muitos termos da própria psicologia para explicar o que se passava na mente desse sujeito, assim como muitos profissionais o fizeram na TV. Psiquiatras, profissionais de saúde e segurança enchem e fazem fama na possibilidade do menino atirador ter estrutura psicótica esquizofrênica ou psicopatia, enfim. Fico pensando o quanto, nos tempos atuais, culpabilizamos o sujeito pelo seus atos e esquecemos que aquele menino tem uma história, história essa que envolve a mim e a você.

-Mas Rafa você está dizendo que ele não é culpado pelo que fez? Sim, estou dizendo que ele não é culpado. 

-Rafa, você é estúpido, não pensa, é um anti-cristão, esse cara deve pagar pelo que fez.   

Concordo plenamente que ele tenha que enfrentar as consequências do seu ato. Quando digo que ele não é culpado ão estou o eximindo de sua responsabilidade pelo que fez, até porque ele já morreu. Gostaria de aqui, brevemente, explicar a diferença de culpa e responsabilidade. Quando fazemos uma escolha qualquer não somos exclusivamente nós que a fazemos. A nossa história de vida, relações que estabelecemos, fatores ambientais, como nos relacionamos com o objeto de nossa escolha, nossa "vontade" e muitos outros ditam, de certa forma, o que escolheremos. Logo, não é o eu que escolhe, assim não se pode culpabilizar uma pessoa que não tenha, deliberadamente, escolhido uma atitude à outra. Porém, apesar da escolha não ser feita livremente por um eu, apesar dela ser influenciada por diversos fatores, essa escolha é feita em cada um de nós. A escolha feita em nós não nos torna culpados (pois não foi uma escolha deliberada), mas sim responsáveis pela atitude que tomamos, tendo que arcar com as consequências dela. Sem dizer que a culpabilização engessa, o individuo é culpado e ponto. A responsabilização mobiliza a ação, se é responsável e agora? o que será feito com isso?

Uma outra coisa que gostaria de questionar é como se constrói um sujeito assim. Construção sim, nossa sociedade, capitalista, individualista, produz os indivíduos que vivem nela. O modo que vivemos, infelizmente constrói uma sociedade que se preocupa mais com o próprio umbigo do que com as questões sociais, que o sofrimento do próximo. 

E agora chego no ponto que queria. A igreja não é separada no mundo, a igreja não atua no céu ou no paraíso, a IGREJA é de Jesus na TERRA, no céu não precisa ter atitudes altruístas, na terra precisa. A igreja é responsável pela sociedade em que estamos, pois a igreja que fazemos hoje é construção deste mundo em que estamos, mas para além disso: NOSSA IGREJA É RESPONSÁVEL PELA SOCIEDADE QUE CONSTRUÍMOS E HABITAMOS.

Agora vem a minha pergunta. Que atitude estamos tendo, enquanto igreja, pra produzir indivíduos assim? Que postura estamos tomando que gera um individuo que vê o próximo impuro a ponto de matá-los? Será que com nossos egoísmos na busca de milagres e crescimento espiritual matamos o próximo? Matamos o próximo quando não o olhamos, Mario Quintana fala assim: "O que mata o jardim/ É esse olhar vazio,/ De quem por ele/ passar indiferente.

Por sim gostaria de perguntar se é só eu que quero escolhas diferentes, sociedade diferente, pessoas diferentes e, aceitação do diferente. Que possamos ver o outro como possibilidade de um mundo novo a ser descoberto, acredito que assim possamos construir um mundo diferente.

Obrigado a todos que tiveram a paciência de ter lido minha angústia.

Um abraço afetuoso,   

 Rafael Dias Valencio 

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Meu amigo, lendo sua angústia, “zilhões” de coisas passam por essa cabeça insana e coração inquieto! Tentarei aqui, com alguma dificuldade, expor algumas ideias que eu conseguir apanhar da mente com a ponta dos dedos:

    A partir do momento em que se começou a valorizar a igreja (instituição), a Igreja (corpo de Cristo) deixou de exercer seu papel principal na Terra, que é a de transformar as pessoas (e o mundo) através dos preceitos do Reino de Deus. Enfatizo que essa transformação não se dá por uma lista de regras e liturgias, no controle e na tentativa de nos tornarmos seres superespirituais. Nunca seremos. Somos gente! Gente cheia de falhas, pecados, manias, vícios. A instituição e suas regras (malditas) não podem (e não devem) sufocar o amor, a gratidão, a compaixão, a alegria, a comunhão, a solidariedade, o afeto, o carinho.

    E aí entra a graça de Deus. A graça que proclama a assombrosa verdade que tudo é de presente. Tudo de bom é nosso não por direito, mas meramente pela liberalidade de um Deus gracioso. Isso porque o maior de todos os presentes nos foi dado, a própria vida, olhos para ver e mãos para tocar, mente para formar ideias e coração para bater com amor. A Boa Nova do evangelho da graça grita em voz alta: somos todos mendigos, igualmente privilegiados, mas não merecedores, às portas da misericórdia de Deus! Inácio de Loyola disse que “a experiência direta de Deus é de fato graça, e basicamente não há ninguém a quem ela seja recusada”. Todos a recebem, gratuitamente. Todos!

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  3. Lutero se debatia noite adentro com a questão fundamental: de que forma o evangelho de Cristo podia ser realmente chamado de “Boa Nova” se Deus é um juiz justo que retribui aos bons e pune os perversos? Será que Jesus veio revelar essa terrível mensagem? De que forma a revelação de Deus em Cristo Jesus podia ser acuradamente chamada de “Nova”, já que o Antigo Testamento defendia o mesmo tema, ou de “Boa”, com a ameaça de punição suspensa como uma nuvem escura sobre o vale da história? Porém, como observa Jaroslav Pelikan, Lutero repentinamente chegou à percepção de que a justiça de Deus da qual Paulo fala em Romanos 1.7 (Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá pela fé) não era a justiça pela qual Deus era justo em si mesmo (que seria uma forma passiva de justiça), mas a justiça pela qual, por causa de Jesus Cristo, Deus tornou justos os pecadores (isto é, justiça ativa) através do perdão dos pecados na justificação. Quando descobriu isso, Lutero afirmou que os próprios portões do Paraíso haviam-se aberto para ele.

    Esses dois últimos parágrafos foram inspirados pela leitura que faço neste momento do livro “O evangelho maltrapilho” de Brennan Manning, publicado pela Mundo Cristão. Estou maravilhado com a leitura e recomendo a obra, vale muuuuuuito a pena! Um livro para ler com o coração e os afetos!

    Quando escrevia essas palavras, Jung Mo Sung (teólogo católico e professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião) “tuitava”: “Detrás de tanta gente sem saúde e comida, há um sistema econômico e político injusto. Compaixão significa também ação sócio-política”. Não basta apenas orar pelos que sofrem. Devemos sofrer suas dores também. E fazer alguma coisa para reverter o quadro triste pintado pelo capitalismo (chamado por alguns de capetalismo). Em função de poder, dinheiro e status, muitos sofrem, são excluídos, marginalizados. E daí, surgem não apenas os atiradores de escolas. Mas também todo tipo de gente fracassada, humilhada, excluída, machucada. Gente doente que gera mais gente doente. Fico pensando nas milhares de crianças e jovens que são violentadas ou morrem diariamente e que não estão na mídia como o caso da tragédia do Rio de Janeiro. Um sem número de vítimas inocentes que já virou estatística fria, apenas números. Ou seja, temos um câncer em nossa sociedade que precisa ser tratado.

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  4. Não estou dizendo aqui para sairmos às ruas fazendo uma revolução. Devemos começar com pequenas atitudes de mudança. Como o Rafah citou, Mario Quintana diz que:

    "O que mata o jardim
    É esse olhar vazio
    De quem por ele
    passar indiferente”

    Devemos valorizar mais a vida e as pessoas, sair de nossas torres de marfim. Quantas vezes passamos por pessoas na rua, no elevador, na igreja, em casa, na sala de aula ou no trabalho e nem sequer olhamos para os que estão perto de nós, no cotidiano. Ou fingimos que ouvimos as pessoas, quando elas precisam de nossa atenção. Devemos começar a tocar o mundo com atitudes mais gentis, mais amorosas. Sim, eu sei que não é fácil. Devemos também saborear a vida com mais leveza. Tanta gente arrumando confusão por nada. Inacreditável, um desperdício de felicidade. Sejamos mais pacientes, bondosos, amorosos. Mas só conseguiremos viver nesta perspectiva se aceitarmos e assimilarmos o evangelho da graça, do obstinado e furioso amor de Deus por todos nós. A partir daí, sob essa nova percepção, devemos tocar os outros com vida, como compaixão, com misericórdia, com amor, com alegria e, como resultado, transformar a sociedade na qual estamos inseridos, fazendo ser vistos os valores do Reio de Deus que está tão pertinho, pronto para se tornar realidade em nossa vida terrena. Bastamos usar o segredo da escada, um degrau de cada vez!

    Brennan Manning escreveu que este evangelho não é para os superespirituais, não é para os fortes, cujo herói é o Rambo e não Jesus, não é para os acadêmicos que aprisionam Jesus na exegese, não é para gente barulhenta e bonachona que manipula o cristianismo a ponto de torná-lo um simples apelo ao emocionalismo, não é para os místicos de capuz que querem mágica na sua religião, não é para os cristãos “aleluia”, que vivem apenas no alto da montanha e nunca visitaram o vale da desolação, não é para os destemidos que nunca derramaram lágrimas, não é para os zelotes ardentes que se gabam com o jovem rico dos evangelhos, que “guardava todos esses mandamentos desde a juventude”, não é para os complacentes, que ostentam honras, diplomas e boas obras, crendo que já chegaram lá, não é para os legalistas, que preferem entregar o controle da alma a regras a viver em união com Jesus. Este evangelho é para os sobrecarregados que vivem ainda mudando o peso da mala de uma mão para outra, é para os vacilantes e de joelhos fracos, que sabem que não se bastam de forma alguma e são orgulhosos demais para aceitar a esmola da graça admirável, é para os discípulos inconsistentes e instáveis cuja azeitona vive caindo para fora da empada, é para homens e mulheres pobres, fracos e pecaminosos com falhas hereditárias e talentos limitados, é para os vasos de barro que arrastam pés de argila, é para os recurvados e contundidos que sentem que sua vida é um grave desapontamento para Deus, é para gente inteligente que sabe que é estúpida, e para discípulos honestos que admitem que são canalhas.

    A justificação pela graça mediante a fé significa que sou aceito por Deus como sou. As pessoas têm expressado o temor de que essa auto-aceitação pode abortar o processo de conversão em andamento e conduzir a uma vida de ociosidade e frouxidão moral. Nada poderia estar mais longe da verdade. A aceitação do eu não implica em resignar-se com o estado das coisas. Ao contrário, quanto mais plenamente aceitamos a nós mesmos, mais começamos a crescer de forma bem-sucedida. O amor é um estímulo muito superior à ameaça e à pressão. A partir daí, podemos nos amar melhor e amar também aos demais. Podemos fazer mais pelos outros sem nos preocupar com aceitação, publicidade e/ou críticas.

    Por fim, eu também quero escolhas diferentes, sociedade diferente, pessoas diferentes e aceitação diferente. Descobrir um novo mundo tem sido uma aventura muito bacana, prazerosa!

    Acho que isso é tudo, ou nada! Risos! =)

    Muitos abraços,

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  5. Concordo muito com que o fernando disse. Tem uma coisa muito bacana que o filósofo e psicólogo Foucalt fala que é acerca do "cuidado de si". Todos precisamos desenvolver um "cuidado de si" um cuidado que potencialize a vida, a potencia de vida, ou seja, termos bons encontros, buscar aquilo que nos faz bem.

    Mas, tanto Foucalt quanto Schwartz e outros teóricos, falam que todo "cuidado de si" implica, necessariamente em um cuidado do outro, pois o cuidado de si não é um cuidado individualizado, que busca apenas o meu prazer ou benefício, mas aquilo que potencializa não só a minha vida como também a vida do outro.

    Só queria esclarecer uma coisa: Também acho que a atitude do Welinton (atirador) é revoltante, também não consigo perdoá-lo, o que estou falando é que este cidadão, como você diz é, também, fruto de uma sociedade, sociedade esta que nós, como igreja, ajudamos a construir.

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