sábado, 24 de setembro de 2011

Sobre o amor


“Que eu não veja obstáculos na união de corações sinceros…
O amor não se turva em águas turvas,
nem se curva ante a chuva…
Não…
É uma luz constante que a tempestade não altera…
É a estrela de toda a mão errante…
de brilho claro…
embora sem matéria…
Não é joguete do tempo,
embora a carne sofra o peso da sua foice…
Se isso for falso e provado também,
Eu não escrevi…
e nunca se amou ninguém.”

O homenzinho e seu deus


A cidade foi atacada por um deus enorme e descalço
que ninguém podia vencer.
Tombaram exércitos e quebraram-se espadas,
morreram centenas,
e nada o fazia parar.
Foi quando um homenzinho inofensivo baixou sua lança e disse à multidão
que venceria o deus sem matá-lo; iria derrubá-lo sem ferir.
O deus riu um riso despreocupado de deus e com um golpe tremendo do braço fez o homem voar;
esmagou o homem com os pés e triturou-o entre as coxas,
despedaçou-o com os dentes e banhou-o em sangue e urina;
cuspiu, xingou e provocou.
Quando o homenzinho mal se podia pôr em pé
o gigante deu-lhe para segurar sua própria espada divina
e ofereceu de peito aberto seu divino coração,
mas o homem abaixou a espada e aquietou.
“Covarde”, disse o deus, e atravessou o homem despedaçado
com a lança que o próprio homem tinha deixado para trás.
Ferido de morte, o homenzinho entoou baixinho uma canção blasfema,
“venha o que vier, amar-te-ei pela eternidade”.
O deus inclinou-se para ouvir e o homem sussurrou-lhe ao ouvido, “sou seu filho”, e morreu.

[Paulo Brabo]

Mosaico


Encontramos pessoas de todas as cores e estilos. Muita gente passa pela nossa vida e nem notamos. Mas tem algumas que chegam e deixam uma marca, não se sabe porque, mas ficam guardadas pra sempre, mesmo que estejam longe.

Algumas pessoas agente gosta tanto que vira pedacinho da gente... Sabe como é né?!

E nem tem como fugir... agora mais que amizade, se torna parte de uma família ou um corpo, sei lá, que é pra sempre....

Pra sempre um.

sábado, 17 de setembro de 2011

Celebração da voz humana [2]




Os índios shuar, chamados de jíbaros, cortam a cabeça do vencido. Cortam e reduzem, até que caiba, encolhida, na mão do vencedor, para que o vencido não ressuscite. Mas o vencido não está totalmente vencido até que fechem a sua boca. Por isso os índios costuram seus lábios com uma libra que não apodrece jamais.

Celebração da voz humana



Tinham as mãos amarradas, ou algemadas, e ainda assim os dedos dançavam, voavam, desenhavam palavras. Os presos estavam encapuzados; mas inclinando-se conseguiam ver alguma coisa, alguma coisinha, por baixo. E embora fosse proibido falar, eles conversavam com as mãos.

Pinio Ungerfeld me ensinou o alfabeto dos dedos, que aprendeu na prisão sem professor:

— Alguns tinham caligrafia ruim — me disse —. Outros tinham letra de artista.

A ditadura uruguaia queria que cada um fosse apenas um, que cada um fosse ninguém: nas cadeias e quartéis, e no país inteiro, a comunicação era delito.

Alguns presos passaram mais de dez anos enterrados em calabouços solitários do tamanho de um ataúde, sem escutar outras vozes além do ruído das grades ou dos passos das botas pelos corredores. Fernández Huidobro e Maurício Rosencof, condenados a essa solidão, salvaram-se porque conseguiram conversar, com batidinhas na parede. Assim contavam sonhos e lembranças, amores e desamores; discutiam, se abraçavam, brigavam; compartilhavam certezas e belezas e também dúvidas e culpas e perguntas que não têm resposta.

Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada.


Eduardo Galeano - O livro dos Abraços

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Me ajuda a olhar


"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.

Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"


(Eduardo Galeano - extraído do Livro dos abraços)

Me ensina a te amar



O que eu fiz para você me amar tanto assim. Quem eu sou pra que te lembres de mim. Teu amor em todo tempo é fiel, mesmo que todo tempo eu não mereça. Me perdoa quando você falou e eu não ouvi, me perdoa, quando você me tocou e eu não senti, como pude não sentir. Me ensina te amar. Me ensina mostrar quanto eu te amo. Pra sempre vou te amar.

Tenho tão pouco pra te oferecer, mas tudo o que eu tenho é teu. Toda minha vida, num piscar de olhos, e uma canção pra dizer: Me ensina te amar. Me ensina mostrar quanto eu te amo. Pra sempre vou te amar...


composição: Filhos do Homem