terça-feira, 31 de agosto de 2010

Do meu medo...



Que meu medo de amar 
Não me impeça de te encontrar
Que me medo de te encontrar
Não me impeça de sentir seu toque

O medo de me apaixonar me prende
Tenho medo que você não me perceba
Tenho medo de perder você
Sem nem ao menos te ter

Não quero que meu desvario te perturbe
Nem que a confusão em mim de ofenda
Só quero que me procure
E que a chance de amor entre nós vença

Tudo que quero é te afetar
Entrar na sua mente e te ter
Confundir e te possuir
Possuir e sentir seu corpo sobre mim

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O amor

Semana passada liguei pro meu melhor amigo e convidei para um cinema. A gente não se falava desde o ano novo, quando tudo deu errado pro nosso lado. De tempos em tempos sumimos, falamos umas coisas horríveis de quem se conhece demais. Ele topou desde que fosse daqui pra frente, preguiça de conversar da briga e tal. E fomos. Cheguei antes, comprei. Ele chegou depois, comprou água. Porque eu comprei os ingressos, ele comprou também uns doces e disse que pagaria o estacionamento. Porque ele pagaria o estacionamento, eu disse que daria a carona da volta. E com meu coração tão calmo eu voltei a sentir o soninho de sofá de casa com manta que sinto ao lado dele. A gente não se beija nem nada, mas quando vai ver pegou na mão um do outro de tanto que se gosta e se cuida e se sabe. Já tivemos nossos tempos de transar e passar nervoso e aquela coisa toda de quem ama prematuramente. Mas evoluímos para esse amor que nem sei explicar. Ele me conta das meninas, eu conto dos caras. Eu acho engraçado quando ele fala “ah, enjoei, ela era meio sem assunto” e olha pra mim com saudade. Ele também ri quando eu digo “ah, ele não entendeu nada” e olho pra ele sabendo que ele também não entende, mas pelo menos não vai embora. Ou vai mas sempre volta. Não temos ciúmes e nem posse porque somos pra sempre. Ainda que ele case, more na Bósnia, são quase quinze anos. Somos pra sempre. Ele conta do filme que tá fazendo, eu do livro. Os mesmos há mil anos. Contar é sem pressa de acabar. Se ele me corta é como se a frase que eu fosse falar fosse mesmo dele. É um exibicionismo orgânico, como se meu silêncio pudesse continuar me vendendo como uma boa pessoa. São quinze anos. É isso. Ele me viu de cabelo amarelo enrolado. Eu lembro dele gordinho e mais baixo. Ele sempre comprou meus testes de gravidez, mesmo a suspeita nunca sendo nossa. Eu já fui bem bonita numa festa só porque ele queria me fazer de namorada peituda pra provocar a ex mulher. Minha maior tristeza é que todo novo amor que eu arrumo vem sempre com algum velho amor tão longo e bonito. E eu sofro porque com pouco tempo não consigo ser melhor que o muito tempo. E de sofrer assim e enlouquecer assim, nunca dou tempo de ser muito para esses amores porque estrago antes. Mas meu melhor amigo é meu único amor. O único que consegui. Porque ele sempre volta. E meu coração fica calmo. E ele vai comigo na pizzaria e todos meus amigos novos morrem de rir porque ele é naturalmente engraçado e gente boa e sabe todos os assuntos do mundo. E todo mundo adora meu melhor amigo. E eu amo ele. E sempre acabamos suspirando aliviados "alguém é bobo como eu, alguém tem esse humor" e mais uma vez rimos da piada que inventamos, do pai que chega pro filho e fala: sua mãe não é sua mãe, eu transei com outra". E esse é meu presente dessa fase tão terrível de gente indo embora. Quem tem que ficar, fica.

Tati Bernardi (www.tatibernardi.com.br)

domingo, 22 de agosto de 2010

Lanterna dos Afogados




Quando tá escuro
E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você pode chorar

Há uma luz no túnel Dos desesperados
Há um cais de porto
Pra quem precisa chegar

Eu estou na lanterna dos afogados
Eu estou te esperando
Vê se não vai demorar

Uma noite longa
Pra uma vida curta
Mas já não me importa
Basta poder te ajudar
E são tantas marcas
Que fazem parte
Do que eu sou agora
Mas ainda sei me virar

Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
Vê se não vai demorar

Conposição: Hebert Vianna

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ardente loucura



A loucura me consome
Como o fogo que leva a gota
Minha consciência se evapora
Levando consigo a alma

Ainda não sei o que de mim resta
Sei que você levou tudo
Resta-me apenas uma fresta
Eu que sempre fui livre

Ver você me atordoa
Queria esquecer e odiar você
Mas não consigo
Sou amaldiçoado para amar

Por que faz isso comigo
Me faz te amar
Sem nem ao menos me corresponder
E me tira a alegria

Me culpo por te amar
Amar quem nem merece
E na tentativa de me afastar
Amo mais

segunda-feira, 16 de agosto de 2010



Acho que eu sou um conto de fadas as avessas. Fico pensando: se fosse personagem de um conto de fadas, qual seria? Não consigo imaginar. não que a vida não seja um conto de fadas, mas porque sinto que todos os personagens estão em mim. Sinto todos eles no pulsar das minhas veias, eles contam minha história em cada pagina do relato de minha vida. Torna-se fácil perceber todas as vezes que fui príncipe, duende, bom ajudante, sapo, bruxo, madrasta, dragão destruidor e até o saído velho.

A cada dia me torno um novo conto, a cada hora de minha vida este conto aumenta um ponto. Mas existem duas questões que tornam meu conto peculiar. Minha história não tem fim, não começou comigo nem terminará com minha morte, ela permanece enquanto alguém se lembrar de meu nome e, se esquecermos do Rafael, continuarei a contá-la enquanto permanecer vivo na memória de alguém, mesmo que me invente um novo nome. Minha história não poderia ser escrita em palavras, que são perenes, mortas, pois minha história é viva e tudo que é vivo se transforma.

A segunda questão que torna meu conto único é que ele é às avessas. Sou o príncipe mais feio, o vilão do bem, o fraco que luta. Dizem que sou herói e que só eu posso reinventar minha história, mas como descobrir a valentia que me foge, a beleza que de mim se esconde, a nobreza que tanto sinto falta. O que me falta para recriar meu mundo, poderia começar agora mesmo, mas e se não desse resultado? E se estivesse enganado? E se eu realmente não for o herói de minha história?

Não, por favor, não pensem que sou indiferente a minha história ou que por ela não tenha amor, mas as coisas não são tão simples. E se a princesa de meu conto me ver minhas pernas tortas, minha gordura e minha cara de bolacha. Poderia imaginar a desilusão estampada no rosto de minha princesa e do povo que me espera como herói. Naturalmente esperavam um príncipe. Era impossível.

Filho da Lua, semente do Sol, isso sou. Ainda que não tenha aprendido a brilhar, ainda que não saiba pintar o arco-íris. Sei que o som que me desenha tem algo para mim, que um dia esse algo virá, como uma dádiva.


“Meu corpo é nota e tom,
Por isso apenas audível,
E nesta voz tem o som,
Do meu único ser possível.”

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

- Você já viu o Nada, filhinho?

- Já muitas vezes.

- Que aspecto tem?

- É como se a pessoa estivesse cega.

- Pois bem... Quando entram no Nada, ele se apodera de vocês. Passam a ser como doença contagiosa, que cega os homens, tornando-os incapazes de distinguir entre a aparência e a realidade. Sabe o nome que eles dão a vocês?

- Não.

- Mentiras!

- Como pode ser isso?

- Você me pergunta como vai ser lá nesse mundo? Mas o que você é aqui? Que são todos vocês, seres de Fantasia? Figuras de sonho, invenções do reino da poesia, personagens de uma História Sem Fim! Você se julga real, filinho? Pois bem, aqui, neste mundo, você é. Mas, se entrar no Nada, deixa de existir. Você se tornará irreconhecível. Passará a existir num outro mundo. Nesse mundo, vocês deixam de ser aquilo que eram. Levam ao mundo dos homens a cegueira e a ilusão. Sabe o que aconteceu a todos os habitantes da Cidade Fantasma que se lançaram ao Nada, filhinho?

- Não

- Transformaram-se em desvarios da mente humana, em imagens geradas pelo medo, quando, na realidade, não há nada a temer; em desejo de coisas que os tornam doentes, em idéias de desespero, quando não há razões para desesperar.

- Ficamos todos assim?

- Não, há muitas espécies de loucuras e de ilusão; se vocês forem belos ou feios, estúpidos ou inteligentes, lá vocês serão mentiras belas ou feias, estúpidas ou inteligentes.

- E eu, que serei eu?

- Não vou lhe dizer, filhinho. Logo você verá por si mesmo. Ou melhor, não verá porque não será você. É por isso que os homens temem e odeiam Fantasia e tudo o que dela vem. Querem aniquilá-la. Mas não sabem que, ao fazê-lo, aumentam a torrente de mentiras que cai ininterruptamente em seu mundo... Não é divertido?


Trecho extraído do livro História Sem Fim.